A transferência de líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para a Penitenciária Federal de Brasília é uma preocupação para o sistema de segurança pública do Distrito Federal diante do risco de consolidação de células da facção na cidade. Em uma operação organizada pelo Ministério da Justiça e pelo Governo de São Paulo, 22 integrantes da cúpula da organização criminosa foram levados de Presidente Venceslau (SP) para presídios federais, entre eles o de Brasília. Pelo menos três deles ficarão na cidade por 360 dias — os primeiros dois meses serão em regime de isolamento. O governador Ibaneis Rocha disse que vai cobrar apoio do governo federal para reforçar a segurança no DF e evitar a disseminação da organização.
A transferência dos líderes do PCC de uma penitenciária estadual de São Paulo para unidades federais foi determinada pela Justiça, a partir de um pedido apresentado pelo Ministério Público de São Paulo. O isolamento dos integrantes de facções é, segundo especialistas, uma das principais estratégias para enfraquecer esses grupos criminosos. Existia a expectativa de que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, um dos principais nomes do PCC, ficasse em Brasília, mas ele seguiu para Rondônia.
O Ministério da Justiça e da Segurança Pública não informa oficialmente quais presos ficarão na capital. Mas, nos bastidores, servidores do Departamento Penitenciário Nacional comentam que três dos 22 líderes foram transferidos para o DF: Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, o Marcolinha, irmão de Marcola; Antônio José Müller, o Granada; e Reinaldo Teixeira dos Santos, conhecido como Funchal ou Tio Sam. Eles chegaram à cidade pouco depois das 13h30 em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Um comboio da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez a segurança ao longo do trajeto dos presos do Aeroporto Internacional de Brasília Juscelino Kubitschek até a penitenciária. Nos arredores do Jardim Botânico, batedores da PRF controlavam o tráfego de veículos e helicópteros faziam a varredura da área. Às 14h24, os detentos chegaram à região da Papuda. Oito veículos da Polícia Federal acompanharam o trajeto.
Suporte
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, ligou para o governador Ibaneis Rocha para comunicá-lo da transferência. O chefe do Palácio do Buriti ofereceu apoio ao governo federal, mas pediu suporte para a segurança da capital com a chegada dos líderes da facção. “Eu confio muito no ministro Moro, mas vou cobrar apoio do governo federal para a nossa segurança pública”, afirmou o governador.
“São todos bandidos perigosos. Mas sou parceiro do governo federal e sei que a transferência de lideranças de facções criminosas para presídios federais é importante para isolá-las. Se o preço para acabar com essas facções for abrigá-las aqui, não tem problema. Estamos preparados para lidar com isso”, acrescentou Ibaneis. Ele reconheceu, entretanto, que a presença de lideranças de organizações pode atrair a atividade desses grupos para a cidade. O chefe do Buriti também pedirá ao governo federal apoio para garantir a segurança na região do Entorno.
Especialistas alertam para riscos
Existe um receio das autoridades de que a transferência dos líderes do PCC possa gerar uma onda de atentados, a exemplo do que ocorreu em 2006, quando ataques coordenados pelo grupo geraram pânico e deixaram 564 mortos. O terror difundido pelo PCC há 13 anos foi uma resposta à transferência de Marcola para Presidente Venceslau.
A socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC, não acredita em uma reação violenta como a registrada em 2006. Estudiosa do sistema penitenciário brasileiro e autora de tese de doutorado sobre a expansão do PCC, a especialista diz que a forma de enfrentamento ao Estado mudou. “Claro que há impacto. São líderes importantes e essa transferência reduz a capacidade de comunicação. Mas, nos últimos tempos, o PCC adquiriu uma dinâmica que independe de pessoas específicas. A facção se estruturou de maneira descentralizada, com muitas pessoas na posição de gerenciamento das atividades”, explicou Camila.
Mas, segundo ela, a transferência pode aumentar a tensão no sistema penitenciário federal, especialmente por causa das restrições às visitas de familiares, a partir de agora permitidas apenas em parlatórios e sem contato físico. As novidades estão em um decreto publicado ontem. “Havia um tensionamento por conta da proibição de visitas íntimas e, hoje, o Ministério da Justiça endureceu ainda mais, com um decreto sem nenhuma discussão prévia”, criticou Camila.
Desafios
O especialista em segurança pública Arthur Trindade, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da pasta no Distrito Federal, acredita que a chegada dos líderes de facções não representa um risco grave à segurança da capital. Mas ele lembra que o sistema penitenciário do DF tem brechas e que a novidade deveria estimular a correção delas. “É preciso melhorar os protocolos e as rotinas. Há superlotação e deficit de agentes penitenciários. A constante dificuldade de controle sobre o pavilhão que abriga presos ricos impressiona”, comentou. “Os presos das facções não vão se comunicar facilmente com os detentos da Papuda. O desafio é impedir que consigam se comunicar com a direção das organizações, por meio de seus advogados”, acrescentou.
Presidente do Sindicato dos Agentes, Especialistas e Técnicos Federais de Execução Penal, Bruno Rocha explicou que ocorre um revezamento de presos nas cadeias de segurança máxima como forma de desmobilização logística das facções. “O objetivo do sistema é receber as lideranças desses grupos, e ele foi criado para isso. O Depen está passando por uma série de alterações, e o ministro tem investido na expansão do sistema penitenciário federal”, explicou. “Hoje, há uma compreensão mais acertada de que a segurança pública não passa só pelo sistema judicial e policial. Passa, necessariamente, pelo sistema penitenciário. Como todos sabem, o berço das organizações criminosas é o sistema prisional”, analisou Rocha.