Por Gustavo Pedro Polese, Servidor Penitenciário, Psicólogo
Introdução.
A discussão sobre assistencialismo e assistência na Polícia Penal é essencial para
compreender as distorções que afetam o sistema prisional. O assistencialismo, com
conotação negativa, remete à concessão de benefícios sem critério, enquanto a
assistência consiste em políticas públicas estruturadas voltadas à reabilitação.
Historicamente, o preso gaúcho adentra o sistema com a crença de que será amparado
incondicionalmente, atribuindo à assistente social ou ao técnico de referência o papel
de acolhimento irrestrito. Entretanto, a sociedade mais lúcida reconhece que a
qualidade da reeducação, e não a mera quantidade de assistência, é o que efetivamente
transforma.
Eixo 1: Mão de Obra versus Demanda Não Treinada.
Os Técnicos Superiores Penitenciários (TSPs) frequentemente são desviados de suas
atribuições essenciais — como exames criminológicos, acompanhamento de crises,
classificações e pareceres técnicos, estruturação da rede de apoio, dentre tantas outras
— para funções paralelas e nebulosas, como a organização de provas do ENEM e a
Remição pela Leitura. Essas atividades, segundo este profissional, caberiam à
Secretaria da Educação ou ao voluntariado. Com isso, o trabalho do TSP se dilui em um
papel abrangente e pouco estratégico, tornando-o um “faz-tudo”. A
desinstitucionalização dos manicômios judiciários, determinada pelo CNJ, transferiu ao
sistema prisional a responsabilidade pelo acompanhamento do Exame de Incidente de
Insanidade Mental, essencial para avaliar inimputabilidade. A Resolução CNPCP nº
36/2024 ainda exige o exame criminológico como obrigatório para progressões de
regime em condenações após a Lei 14.843/2024, evidenciando a complexidade técnica
envolvida. Além disso, os TSPs se dedicam aos Centros Integrados de Alternativas
Penais (CIAPs), Escritórios Sociais, Justiça Restaurativa (“resgatar o tema”), redes
interassistenciais, atendimento ao servidor e à criação e gerenciamento de Programas
de Reabilitação, incluindo o Trabalho Prisional e funções de gestão, refletindo a
amplitude e a alta complexidade de sua função.
Os Agentes Penitenciários e o Papel Disciplinar.
Os agentes penitenciários, doravante Policiais Penais, que frequentemente
reivindicam disciplina, também precisam revisitar suas práticas, tensionando seus
gestores por Manuais de Trabalho (conceituais e operacionais). Estados como Santa
Catarina e Maranhão já publicam estes, com diretrizes claras, padronizando práticas
corretivas e pedagógicas, ampliando o foco para além da simples cobrança por
atendimentos com a justificativa de “acalmar os presos”. É fundamental implantar um
modelo disciplinar integrado à área técnica, para que os agentes resgatem o valor
simbólico de seu trabalho, indo além da execução automática de ordens e operações.
Por fim, a desinstitucionalização dos manicômios judiciários, feita sem planejamento e
acompanhamento adequados, gerou caos institucional. Pessoas com transtornos
mentais passaram a ocupar, eventualmente, prisões comuns, aumentando a violência
interna e tensionando os Técnicos Superiores Penitenciários (TSPs) com demandas de
saúde mental, que devem, sim, ser atendidas por força de lei.
A Cultura Assistencialista e seus Impactos.
A cultura assistencialista, ao priorizar ações paliativas em detrimento de
estruturantes, mina o processo ressocializador e gera prejuízos profundos. O desvio dos
TSPs de suas funções técnicas essenciais, mesmo reconhecendo a inevitabilidade de
tarefas administrativas, poderia ser mitigado com a automação e o uso de Inteligência
Artificial (IA) ou pela ampliação do quadro de Agentes Penitenciários Administrativos
(APAs). Essa profissão, de grande relevância, deveria ser mais valorizada, com
ampliação de seu quadro e melhor remuneração, permitindo que os próprios APAs
gerenciassem a IA. Caso contrário, como diz o ditado, “Eles farão” — e, sem dúvida, a
iniciativa privada já está aproveitando amplamente o potencial da IA. Além disso, a
sobreposição de tarefas operacionais sem impacto estratégico agrava a carga de
trabalho e acentua a ineficiência institucional.
Eixo 2: Tarefismo versus Qualificação das Atividades Previstas em Lei.
Outro problema central é o tarefismo, a execução de atividades burocráticas e
repetitivas sem conexão com as atribuições estratégicas da Polícia Penal. Essa prática
não apenas desvirtua as funções dos técnicos superiores, mas também gera um ciclo
vicioso de ineficiência.
Exemplos Internacionais: Aprendizados e Contrastes.
Noruega: Considerado o melhor sistema prisional do mundo, o modelo norueguês é
conhecido por seu viés humanitário, com foco em assistência, educação e reabilitação.
No entanto, mesmo com esse perfil assistencial, a progressão de regime está
invariavelmente atrelada ao mérito. O preso que busca reduzir sua pena precisa
demonstrar envolvimento em atividades produtivas, como cursos profissionalizantes ou
trabalho. Não há concessões banais, como remição por um simples desenho. Esse
sistema, apesar de criticado por seu alto custo, disciplina a demanda e cria uma cultura
em que o esforço e a responsabilidade são recompensados.
El Salvador: No extremo oposto, a linha dura adotada pelo país é criticada por seu rigor
excessivo, mas destaca-se por sua eficiência em disciplinar a demanda dentro do
sistema prisional. O mérito, mesmo em um ambiente punitivo, é um elemento
estruturante: para alcançar benefícios ou melhores condições, o preso precisa se
enquadrar nas regras estabelecidas.
ADX Florence (EUA): O corredor prisional mais rígido do mundo, que abriga El Chapo, é
um exemplo extremo da diferença entre disciplina e assistencialismo. Mesmo nesse
ambiente severo, é garantido ao preso o direito a uma ligação supervisionada,
organizada por um sistema automatizado. O servidor penitenciário, assim, preserva sua
autoridade e papel estratégico, evitando ser mero intermediário de favores.
Esses exemplos evidenciam que sistemas eficientes, com diferentes filosofias, têm
algo em comum: disciplinam a demanda e valorizam o mérito. Até mesmo o antiquado
e tão criticado, hoje desmantelado, Presídio Central, em época pregressa – em que
conceitos importavam – permitiam chamadas diretas dos presos à familiares ou
pessoas cadastradas. Hoje, a própria IA, com ampla facilidade “poderia vigiar” o
conteúdo das comunicações e os Agentes Penitenciários poderiam usar as mesmas
como incentivo dentro de uma progressão, no desenho de um modelo pedagógicodisciplinar (como faz a Noruega). Mas, o preso ainda conta com “servidores públicos,
imbuídos de contatar familiares, para fins diversos”.
Conclusão:
No Brasil, e especialmente no Rio Grande do Sul, que conheço bem, a cultura
assistencialista desvirtua a lógica da ressocialização. O foco em atender demandas
ilimitadas, sem critério ou objetivo, transforma o sistema em uma máquina ineficaz. Os
prejuízos são evidentes: O técnico penitenciário perde sua função estratégica, sendo
deslocado para tarefas que não agregam valor ao processo de ressocialização. O preso
é privado de um acompanhamento qualificado, essencial para sua reintegração social.
A instituição torna-se ineficiente, dependente de um número crescente e insustentável
de servidores. Os gestores se colocam numa ampla bolha de comodismo e olham o
mundo do século XX, ao não comparar Sistemas existentes, não utilizar da ampla gama
de recursos tecnológicos atuais, se concentrando apenas em dar força a ampla
narrativa social “que o problema central é o Servidor Público”.
Caminhos para a Solução:
A solução passa pela qualificação e pelo uso inteligente de recursos. Como já dito, a
inteligência artificial poderia automatizar boa parte das tarefas burocráticas, como a
confecção de documentos e a gestão de dados, liberando os técnicos para funções de
maior impacto, dentre de dezenas outras nebulosas “atividades correlatas”. Para
enfrentar os problemas discutidos nos dois eixos, é necessário:
Aos presos:
Disponibilizar cartilhas simples e diretas que expliquem que o sistema não é uma
fábrica de benefícios, mas um espaço de reabilitação estruturado, onde o mérito é
fundamental.
Aos servidores e gestores:
Investir em formação continuada e criar um modelo disciplinar e técnico efetivo, que
valorize a qualificação, desestimule o tarefismo e resgate o valor simbólico das funções,
mitigando o adoecimento mental institucional e suas nefastas consequências (já bem
conhecidas”). É preciso se volta novamente à ciência, ao conceito, aos Manuais e ao
Planejamento Estratégico inteligente. Respeitosamente, é a opinião do autor.